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No início do século XX, a construção da Estrada de Ferro Madeira-Mamoré (EFMM), projetada para fins de exploração de matérias-primas da região amazônica, mobilizou um grande contingente de homens e mulheres subjugados a relações de trabalho em um sistema hierárquico determinado por suas nacionalidades, funções, etnias e gêneros. Manuel Ferreira (2005) e Francisco Foot Hardman (2005) identificaram um fluxo de 25.000 a 30.000 trabalhadores circulando ali durante o período de construção (1907-1912), dos quais em torno de 6.000 chegaram a óbito. A partir de 1912, com a inauguração da linha de ferro, foi mantido um número menor e estável de trabalhadores contratados e prestadores de serviço durante a administração estrangeira da ferrovia, até 1919. O principal objetivo da presente Dissertação consiste em investigar aspectos da constituição do cotidiano estabelecido aos e pelos trabalhadores da Companhia Madeira-Mamoré a partir da estruturação de um sistema de controle e manutenção da força de trabalho pela empresa durante o período de construção e funcionamento da ferrovia na primeira década do século XX, mais exatamente entre 1907 e 1919. Para isto, optou-se por analisar elementos compreendidos por Agnes Heller (2004) como “partes orgânicas da vida cotidiana”: organização do trabalho através da divisão das funções e estabelecimento de hierarquias; espaços de trabalho e moradia, atividades sociais, mobilizações; conflitos, resistências, normas de comportamento social, condutas desviantes; condições sanitárias, disciplinarização dos corpos, saúde física e mental. Estes elementos, discutidos pelo ângulo das relações de trabalho estabelecidas pela empresa, configuram tensões, práticas de dominação, controle, e mecanismos disciplinares que têm lugar no cotidiano. Para atingir os objetivos propostos, as problematizações foram concebidas através de um extenso conjunto de fontes históricas, como literaturas de viagem, poemas, produções acadêmicas (dissertações, teses, artigos e livros), relatos memorialísticos, jornais e periódicos, relatórios científicos, catálogos fotográficos e processos-crimes. Ao inserir-se no âmbito dos estudos da história social do trabalho, esta Dissertação visa contribuir para a compreensão das experiências concretas de homens e mulheres que fizeram sua própria história enquanto vendiam sua força de trabalho para a construção da ferrovia Madeira-Mamoré, marco fundamental para a compreensão da história do estado de Rondônia e da expansão capitalista sobre o território da região amazônica no século XX.