Em comemoração ao 13o aniversário do projeto Memória Ferroviária, realizamos uma entrevista com o Prof. Dr. Eduardo Romero de Oliveira, coordenador do grupo, onde este comenta sobre o começo do projeto, sua atuação e os futuros planos.
Sobre o começo do projeto ele comenta que “Tinha realizados dois projetos em meados dos anos 2000: em 2006, de pesquisa histórica sobre municípios atingidos pela formação do lago da barragem da Usina Porto Primavera (Rosana, SP); e outro de inventário do patrimônio industrial no extremo oeste paulista (2007-9). Os resultados nos apontaram a importância das ferrovias para formação dos municípios da região, assim como a dificuldade de encontrar documentação histórica a respeito desse processo. Elaboramos então um terceiro projeto que, entre seus objetivos, pretendia inventariar a documentação das empresas ferroviárias em São Paulo, que se iniciou em 2009. Foi este projeto que iniciou o acúmulo de referencias disponíveis hoje na base de dados “Biblioteca Temática Memória Ferroviária”.
Segundo Oliveira, o nome ‘Memória Ferroviária’ foi escolhido em 2009 porque “se considerou a oportunidade de estudar diversas questões gerais sobre a preservação do patrimônio cultural ou industrial a partir dos estudos sobre proteção de bens ferroviários. O título remetia à recém-aprovada Lei nº 11.483/2007 sobre revitalização do setor ferroviário no Brasil, que encerra a liquidação da Rede Ferroviária Federal (empresa mista que reunia a malha ferroviária brasileira em controle do Estado até 1992) e transferia os bens operacionais e não operacionais para outros órgãos e, em particular, concedia ao órgão nacional de patrimônio histórico (Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional, IPHAN) o encargo de administrar bens ferroviários de valor histórico, artístico e cultural (art. 9). Isso criava uma situação complicada para órgão, tanto porque tinha de dar conta de identificar e avaliar quais bens da empresa teriam valor histórico, quanto criava uma nova função ao órgão (administrar bens ferroviários). A própria situação da preservação de documentação de empresa (pública) era uma questão também complicada. O processo de privatização preocupou-se por discriminar responsabilidade apenas aos bens operacionais das ferrovias, não dispôs nada a respeito da conservação de bens ou documentação histórica – diferente do que aconteceu com a privatização das empresas públicas paulistas do setor elétrico, que resultou na criação da Fundação Energia e Saneamento.”
Assim, quando questionado sobre o objetivo e atuação do grupo de pesquisa ele comenta que “Ao longo desses anos temos realizado pesquisas sobre o patrimônio industrial ferroviário que se consolidaram como objetivos de longo prazo do projeto: documentar testemunhos materiais e imateriais do transporte ferroviário; conhecer melhor a época histórica em que se desenvolveram estas empresas ferroviárias e seu funcionamento; experimentar novas tecnologias aplicadas à preservação do patrimônio industrial; Buscar formas de análise interdisciplinares sobre os bens ferroviários, em vista de refletir sobre as atuais estratégias de preservação patrimonial, no âmbito nacional e internacional”.
Diante do caráter multidisciplinar do grupo (abrangendo áreas como pedagogia, arquitetura, turismo, história, arqueologia e outras), Oliveira comenta que “É um desafio e também um estímulo muito grande. Desde minhas pesquisas de pós-graduação tenho me dedicado a temas e/ou abordagens em fronteiras de áreas de conhecimento: imagem (ilustrações em revistas) e história política; história da cidade, espaço urbano e pobreza; práticas culturais, direito e teoria política; memória de comunidades ribeirinhas e história oral; transporte, história da cidade e cartografia. Pesquisa e aprender em equipe; estudar um objeto sob diferentes perspectivas metodológicas, inclusive contrapondo ou ampliando uma em função da outra: isso me instiga mais a aprender sobre teorias que nos permitiria explicar a sociedade atual. Assim, o projeto de uma área do conhecimento, os problemas dessa pesquisa e suas ideias, estimula a novos olhares na minha área; e depois quando confronto com um terceiro. Essa contraposição me parece estimulante, pois exige mais da sua reflexão, que justifique porque suas próprias respostas lhe são pertinentes, ou pode lhe sugerir novas perspectivas aos seus problemas. Trabalhar com a equipe é coordenar ideias diferentes, soluções sobre um mesmo assunto. Acredito que quanto mais homogêneas as ideias, mais pobre as reflexões e menor as possibilidades de explicar os fenômenos sociais. Portanto eu tento provocar a diversidade de visões, limitada apenas pelo rigor científico e pelo respeito ao trabalho do outro”.
Ele atribui a expressiva publicação acadêmica do projeto Memória Ferroviária aos pesquisadores, docentes e discentes, que tem formado parte do projeto ao longo dos anos: “Minha função tem sido organizar, articular suas pesquisas e direcioná-los para um melhor resultado conjunto. A publicação tem de ser vista com a difusão pública de resultados e reflexões produzidas pela equipe. Inclusive porque temos sido financiados com recursos públicos, pesquisamos e utilizamos de uma infraestrutura pública (a UNESP), portanto é mais do que justo que façamos esta devolutiva científica para a sociedade – entenda-se por pesquisadores acadêmicos, órgãos públicos de preservação, dos agentes responsáveis pelos bens patrimoniais e demais interessados na preservação do patrimônio cultural e industrial”.
Sobre planos futuros do projeto ele diz: “os objetivos do grupo de estudos foram se consolidando, ampliando a cada projeto de pesquisa realizado. Então os focos em registro de bens industriais (ou produção de documentação sobre), reflexão sobre políticas públicas patrimoniais e possibilidades teórico-metodológicas vão continuar presentes. Contudo, a dinâmica do grupo também influi nesse planejamento (quem participa, quais questões coloca, quais projetos individuais são realizados, quais resultados ou reflexões cada membro coloca para os demais); a contribuição de cada um, quanta energia coloca no grupo, também influi nos planos.
O último conjunto de investigações – no escopo do projeto atualmente vigente (2019-2021) – fez com que nos dediquemos a estudar estratégias de difusão patrimonial (formação de recursos humanos, educação patrimonial) e de abordagens participativas. Estão surgindo mais possibilidades do que imaginava quando propus; além disso, o contexto da pandemia COVID-19 tem impedido avançar em alguns aspectos, mas o contexto sociopolítico realçou a importância de outros (participação comunitária e direitos culturais). Acredito que essas possibilidades darão o tom dos próximos anos”.
Entrevistado: Prof. Dr. Eduardo Romeiro de Oliveira
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