Com base em perspectivas históricas é possível perceber que o conceito de patrimônio documental tem se consolidado através do tempo. Ao longo dos séculos XIX e XX esse patrimônio: “[…] foi marginalizado pelas políticas públicas de proteção patrimonial, e desde o início, com a criação do SPHAN, os acervos documentais sob a guarda das instituições foi marginalizado pela política então elaborada, reforçando uma tendência de abandono que vinha gradativamente se consolidando desde o início da fase republicana” (CAMARGO, 1999, p.15).
Por outro lado, nos dias atuais, existem políticas públicas destinadas à gestão documental como a Lei nº 8.159 que define como arquivos públicos “conjuntos de documentos produzidos e recebidos por instituições de caráter público, por entidades privadas encarregadas da gestão de serviços públicos no exercício de suas atividades” (BRASIL, 1991). Nesta legislação, enquadram-se os acervos da RFFSA e sua administração, que também dão conta das instituições arquivísticas federais, estaduais e municipais. No entanto, para garantir a acessibilidade desses documentos, são necessárias medidas de preservação documental e atuação do estado.
Já os bens ferroviários também viviam à margem das políticas públicas de preservação. Os poucos tombamentos enquadravam apenas a estação. Em 1996, somente 11 estações eram tombadas pelo Condephaat e apenas a Estação da Luz era protegida pelo IPHAN, um número mínimo em relação à importância da ferrovia no Estado (KUHL, 2012).
A partir de um decreto e de uma lei, ambos de 2007, os remanescentes da empresa passaram a ser responsabilidade do IPHAN. Até então, a política predominante era o tombamento de edifícios isolados. A gestão desses acervos constitui uma nova atribuição do IPHAN e, para responder à demanda, foi instituída a Lista do Patrimônio Cultural Ferroviário, por meio da Portaria IPHAN nº 407/2010, com 639 bens inscritos até 15 de dezembro de 2015.
Na ideia de relacionar os tipos de patrimônio citados, trago 2 exemplos de tratamento de acervos documentais ferroviários. Sendo o primeiro deles o Museu Ferroviário Regional De Bauru (MFR), sua trajetória começa com a publicação da Lei nº 1445, em 11 de junho de 1969, que institui o mesmo como uma entidade da Prefeitura Municipal de Bauru, contudo, é somente em 1992, num esforço pessoal do Professor João Francisco Tidei de Lima, da Universidade Estadual Paulista (UNESP) e com o apoio da mesma, que foi recolhido um volume significativo de documentação relativa às empresas ferroviárias que tinha sido abandonada nos prédios do escritório, em Bauru. E foi criado, então, o Centro de Memória Regional, a partir do convênio entre a UNESP e a Rede Ferroviária Federal S.A. (RFFSA), vinculado ao Centro de Documentação e Memória da UNESP (CEDEM). O acervo documental presente no Museu é composto por documentos administrativos e pessoais, relatórios, projetos arquitetônicos e de engenharia de construção ferroviária, fotografias e outros, encontrando-se catalogados e disponíveis para pesquisa. Junto a eles, pode-se encontrar também o arquivo contendo os processos do CODEPAC, uma pequena biblioteca temática, arquivos do SPI regional – Serviço de Proteção ao Índio, e ainda e a Coleção Professor Álvaro José de Souza (GOMES, 2019).
O segundo exemplo trata do Museu da Companhia Paulista (MCP) localizado em Jundiaí. Segundo entrevista realizada com Leticia Schoenmaker (GOMES, 2020), a Biblioteca do museu recebeu de maneira parcial o acervo de bibliotecas que a empresa incorporou como a Estrada de Ferro Araraquara, Companhia Mogiana, Companhia Paulista, Estrada de Ferro Sorocabana e uma parte do fundo da RFFSA. De modo que a maior parte do conjunto é formada por transferências de outras bibliotecas e de algumas doações individuais. Leticia mencionou ainda, que tanto a Sorocabana como a FEPASA, as quais compõem a maior parte do acervo, também possuíam bibliotecas para funcionários e, por isso, além dos documentos, há outros tipos de publicações como romances, quadrinhos, livros de história etc. Contudo, no processo de tombamento finalizado em 2007, o IPHAN afirma que o tombamento restringe-se ao conjunto edificado. Baseado no histórico da Biblioteca presente no Museu da Companhia Paulista, as ações municipais, no decorrer do tempo, se mostram descontinuadas. Sem um responsável de fato pela preservação do patrimônio documental e tridimensional, o mesmo se vê sem a manutenção adequada no meio dos conflitos entre os agentes preservacionistas e as gestões.
Logo, com base na experiência dos acervos documentais paulistas, podemos afirmar ser fundamental que as instituições responsáveis por resguardar os documentos de valor histórico, desenvolvam políticas de formação e classificação de acervo. A efetuação dessas políticas apresenta incalculáveis vantagens, que vão desde a efetiva preservação do patrimônio documental, manutenção do acervo, valoração do mesmo como patrimônio relevante aos estudos em história ferroviária até o estabelecimento de um perfil desse acervo e da instituição que o abriga. Mas principalmente, o profissionalismo dos responsáveis pela custódia de fundos e coleções que, a meu ver, seriam de interesse público ao implementar políticas essenciais que não se limitam somente à Biblioteca, mas também a outros centros de documentações ou de memória que desenvolvam atividades semelhantes.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Lei nº 8.159, de 8 de janeiro de 1991.
CAMARGO, Célia Reis. A margem do Patrimônio Cultural. Estudo sobre a rede institucional de preservação do patrimônio histórico no Brasil (1838-1980). Tese de Doutorado. Faculdade de Ciências e Letras de Assis – UNESP, Assis, 1999, P. 15.
GOMES, Andreza Vellasco. Acervos e Ferrovias: preservação do patrimônio documental ferroviário paulista. In: Revista Restauro, v.3, n 5, 2019.
GOMES, Andreza Vellasco. Patrimônio Documental e acervos. In: Revista Brasileira Digital de Biblioteconomia e Ciência da Informação, 2020.
KÜHL, Beatriz Mugayar. A expansão ferroviária em São Paulo (Brasil) e problemas para a preservação de seu patrimônio. In: TST Transportes, Servicios y Telecomunicaciones, v. 23, 2012. p. 166-197.
Como citar
GOMEZ, A. V. Patrimônios ferroviarios e acervos. Projeto Memória Ferroviaria, 2020. Diponível em: https://memoriaferroviaria.rosana.unesp.br/?p=3890
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