A patrimonialização é a medida legal de proteger um objeto físico ou aspecto simbólico de importância histórica, cultural, social, econômica, natural e outras, de uma nação ou povo. A estes bens patrimoniais protegidos são atribuídos valor ou valores que ultrapassam os criação ou desenvolvimento original e é perpetuado sua valoração na sociedade. Das mais variadas tipologias patrimoniais, o patrimônio industrial segundo as considerações da Carta de Nizhny Tagil sobre o Patrimônio Industrial elaborada pelo The International Committee for the Conservation of Industrial Heritage (TICCIH) em junho de 2003, tem como objetivo firmar os edifícios, estruturas, processos, utensílios, localidades, paisagens e manifestações tangíveis e intangíveis desenvolvidas em função das atividades industriais. Neste contexto, se analisa que o transporte ferroviário é uma atividade de caráter industrial, em função do seu desenvolvimento estar atrelado a necessidade de escoamento de produções industriais no século XVIII (ARQUIVO PÚBLICO E HISTÓRICO DE RIO CLARO, 2015).
Com a significativa diminuição do uso do transporte ferroviário observou a intenção de preservar os remanescentes desta atividade, ao passo que seu abandono ocasionou perdas em suas estruturas físicas e simbólicas. Entretanto, no cenário brasileiro foi observado por Moraes (2016) que o órgão de preservação patrimonial, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico do Estado de São Paulo (CONDEPHAAT) direciona os tombamentos a bens isolados dos sistemas ferroviários, as estações ferroviárias. Porém, como apontado na Carta de Nizhny Tagil o patrimônio industrial é formado por um conjunto maior de elementos, devendo ser considerado toda sua composição física e simbólica nas proteções.
Neste sentido, considera os conceitos teóricos e metodológicos da paisagem cultural importante ferramenta na preservação do patrimônio ferroviário, considerando que a preservação da atividade industrial pela perspectiva da paisagem abrangera toda sua dimensão física e simbólica. Documentos como a Recomendação Paris Paisagens e Sítios (1962), a Recomendação Europa (1995) e a Convenção Europeia da Paisagem (2000), definem que a paisagem cultural é formada pela interação e relação entre natureza e humanidade. É neste ponto que considera que deva ser considerado todos os elementos físicos e simbólicos que compreendem uma paisagem, que nesta discussão se remete aos sistemas ferroviários. Ferrari (2011) compreende que um sistema ferroviário é constituído de estruturas edificadas, estações e vias, que em conjunto garantem seu funcionamento. Já Oliveira (2018) considera que nos sistemas ferroviários além dos elementos construídos que garantem seu funcionamento, a dimensão simbólica (pessoas) também o compreende. Neste sentido, entende que a identificação/revisão, análise e gestão patrimonial devem ser feitas por meio dos conceitos teóricos e metodológicos da paisagem cultural, pois desta maneira será possível verificar elementos físicos e simbólicos que garantem sua formação e desenvolvimento. Neste sentido, a ferramenta de Sistema de Informação Geográfica (SIG) tem sido observada como um importante aliado em estudos paisagísticos, é por meio dela que podem ser armazenados, arquivados e administrados dados que tenham relevância no planejamento (LANG; BLASCHKE, 2009).
Com as considerações que a paisagem cultural é formada pelas relações entre homem e natureza e que, portanto, os estudos sobre paisagem devem compreendê-la em suas dimensões físicas e simbólicas, sendo comum encontrar dificuldades no que se refere a aferição de sua dimensão simbólica. Quando se fala em dimensão física está se referindo as estruturas e espaços ferroviários que podem ser identificados por uma observação, tanto espacial quanto local, podendo ser realizado o inventário paisagístico de todos os elementos físicos que configuram os sistemas ferroviários e que não estão inseridos nas proteções jurídicas. Porém, quando se remete a dimensão simbólica da paisagem alguns desafios são enfrentados em seu processo de identificação. Nesta dimensão a atenção se destinada a memória ferroviária, desse modo, deve buscar a memória das pessoas que viveram e vivenciam a paisagem ferroviária. Porém como fazer a identificação desta memória e análise? O relato oral é uma ferramenta com potencial quando se trata da memória na dimensão simbólica da paisagem. Segundo Silva (2019) a metodologia de Abordagem e Valorização do Patrimônio) é uma grande ferramenta neste processo, pois com este é possível identificar valores atribuídos pela comunidade ao patrimônio ferroviário, auxiliando em sua preservação e gestão. Desse modo, considera que a proteção isolada dos remanescentes da atividade ferroviária e seu entorno são insuficientes para sua proteção. Portanto, as proteções devem seguir as diretrizes estabelecidas no conceito de paisagem, considerando sua dimensão física e simbólica.
REFERÊNCIAS
CONSELHO EUROPA. Convenção europeia da paisagem. Florença: 2000. Disponível em:<https://rm.coe.int/16802f3fb7>. Acesso em: 26 jan. 2021.
FERRARI, M. El sistema ferroviario en el noroeste argentino. Arquitectura e instalaciones complementarias. Apuntes. Revista de estudios sobre patrimonio cultural, v. 24, n. 1, p. 44–61, 2011.
IPHAN. Recomendação Europa. 1995. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20Europa%201995.pdf>. Acesso em: 26 jan. 2021.
IPHAN. Recomendação Paris Paisagens e Sítios. Paris, 1962. Disponível em: <http://portal.iphan.gov.br/uploads/ckfinder/arquivos/Recomendacao%20de%20Paris%201964.pdf>. Acesso em 26 jan. 2021.
LANG, Stefan; BLASCHKE, Thomas. Análise da paisagem com SIG. São Paulo: Oficina de Textos, 2009.
MORAES, Ewerton Henrique. Os bens ferroviários nos tombamentos do Estado de São Paulo (1969 – 1984). Bauru, 2016. 191 f. Dissertação (Mestrado) – Curso de Mestrado em Arquitetura e Urbanismo, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação (FAAC), Universidade Estadual Paulista (UNESP), 2016.
OLIVEIRA, E. R. DE. O patrimônio do transporte ferroviário no Brasil: contribuições da arqueologia industrial ao registro e preservação do sistema ferroviário. Revista de Arqueologia Americana, n.36, p.45–84, 2018.
RIO CLARO (MUNICÍPIO). Arquivo Público e Histórico de Rio Claro. Trilhos e eucaliptos: a ferrovia e a Floresta em Rio Claro. HENRIQUES, Amilson Barbosa; CAMPOS, Maria Teresa de Arruda; LUZ, Milton José Hussni Machado (org.). Rio Claro (SP): Phábrica de Produções, 2015.
SILVA, Milena Meira da. Paisagem industrial do Complexo FEPASA (Jundiaí-SP): avaliação dos usos atribuídos ao patrimônio ferroviário. 2019. 215 f. Dissertação (Mestrado) – Universidade Estadual Paulista, Faculdade de Arquitetura, Artes e Comunicação, Bauru, 2019.
TICCIH. Carta de Nizhny Tagil. 2003. MENEGUELLO, Cristina (trad). Disponível em: <https://www.redalyc.org/pdf/3517/351732195011.pdf>. Acesso em: 03 abr. 2021.
Como citar:
GONÇALVES, A. P. M. O conceito de paisagem como ferramenta de proteção dos sistemas ferroviários. Projeto Memória Ferroviaria, 2021. Disponível em: https://memoriaferroviaria.rosana.unesp.br/?p=4043
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